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José M. Medeiros: «Sou um homem isento, não ando a mendigar lugares nem peço votos»

Marco Marques, 01 fevereiro 2022

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José M. Medeiros: «Sou um homem isento, não ando a mendigar lugares nem peço votos»
José Miguel Medeiros é uma das personalidades da região com o percurso político mais rico e multifacetado. Professor de profissão, foi vereador, deputado, governador civil e secretário de Estado, desempenhando atualmente o cargo de presidente da Assembleia Municipal de Ansião. Substituído na liderança de uma empresa pública, pelo Governo do seu partido de sempre, voltou sem estigmas ao Ensino, mantendo-se fiel à sua consciência e filosofia de vida. Avelarense de gema e co-fundador deste Jornal, abordou em conversa com o Horizonte alguns dos muitos temas que fazem parte do seu passado recente e do seu presente...

HORIZONTE | Foi reeleito presidente da Mesa da Assembleia Municipal de Ansião num contexto político algo ‘conturbado’. Sente-se “legitimado” para exercer o cargo?
JOSÉ M. MEDEIROS - O presidente da Assembleia Municipal é eleito pelos seus pares, pelo que a legitimidade é exatamente a mesma que tinha no mandato anterior, isto é, fui eleito porque obtive metade dos votos mais um dos membros eleitos para a Assembleia Municipal. É assim que funciona a democracia representativa.

H | Mais há quem afirme que não devia ter aceitado a presidência da Assembleia, uma vez que não “correspondeu” à vontade dos eleitores…
Bom, não sei quem possa dizer isso. No mandato anterior tive a maioria dos votos dos eleitores e a oposição, que também era maioritária na assembleia, apresentou uma lista alternativa e eu fui eleito. Existem e sempre existiram múltiplos casos nas 308 autarquias do país, em que o presidente da assembleia municipal não pertence ao partido mais votado. Em 2015, por exemplo, na Assembleia da República, o Dr. Ferro Rodrigues foi eleito presidente e o PS não foi o partido mais votado e, nem tinha o maior número de deputados. Ainda agora, no Parlamento Europeu, foi eleita uma presidente que é oriunda do país mais pequeno e com menos deputados. Os parlamentos funcionam assim. Escolhem quem querem para dirigir os trabalhos. As maiorias formam-se em cada momento e com geometria variável. Os deputados são homens e mulheres livres e votam como bem entendem.

H | Pediu a algum deputado da oposição para votar em si, na eleição para a Mesa?
Há uma coisa de que os ansianenses sabem, porque me conhecem há muito anos, é de que sou um homem isento, democrata, que não ando a mendigar lugares nem peço votos ou que prometa algo para que votem em mim. Candidatei-me, como fiz há 4 anos, e sujeito-me ao escrutínio democrático. Os meus pares escolheram-me e eu assumo essa responsabilidade que é dirigir, com total isenção, como sempre fiz, os trabalhos da Assembleia. Neste quadro, não percebo como é que alguém que se considere democrata coloque em causa a minha legitimidade ou a de qualquer outro presidente que tivesse sido eleito nas mesmas circunstâncias. A democracia é assim. Entendo que essa é uma questão que não faz qualquer sentido.

H | No anterior mandato, operou diversas alterações no modus operandi da Assembleia. Com que intenção? 
Procurei trazer para a assembleia um conjunto de melhorias na organização das discussões e no sentido de valorizar o seu papel e dos seus membros e que considero que foram muito positivas. A melhor prova disso, creio, foi a relegitimação dessas inovações com a sua aprovação, novamente por unanimidade, no atual mandato, tendo mesmo sido introduzidas melhorias, em vários casos com os contributos de todas as forças políticas, num amplo consenso e numa lógica de aperfeiçoamento constante. Gostaria de referir o caso da criação de comissões específicas para acompanhar temas concretos que teve um excelente contributo da bancada do PSD.

H | Que outros contributos destaca ?
Destacaria a criação das grelhas de tempos de intervenção das forças políticas, o espaço específico em todas as reuniões para as intervenções dos senhores presidentes de junta e o debate obrigatório sobre o “Estado do Concelho” que se realiza anualmente na sessão do mês de Setembro, com a maior grelha de tempos que o regimento prevê. Tudo isto melhorou e melhora o escrutínio do trabalho do executivo pela assembleia municipal, permitindo-lhe ter um papel mais efetivo no controlo democrático do exercício do poder. Em paralelo, tenho valorizado muito o papel da conferência de representantes das forças políticas representadas na Assembleia que reúne previamente às sessões e onde se analisam os assuntos e a melhor organização dos trabalhos. Aliás, gostaria de deixar aqui uma palavra de apreço para com o senhor presidente de câmara que, desde o início, incentivou e apoiou estas mudanças que, como sabemos, são muito mais exigentes do ponto de vista do escrutínio da sua própria atividade e do executivo, revelando um grande sentido democrático, reconhecendo que esse escrutínio é essencial para melhorar o trabalho da autarquia em prol das populações – que é o mais importante e aquilo que nos deve mover a todos.

H | Como comenta o facto de a Assembleia ter “chumbado” o Orçamento Municipal para 2022? 
Não compete ao presidente da assembleia municipal comentar as posições das diferentes forças políticas representadas na Assembleia, que é o nosso “parlamento” municipal. Como é público, apoio e revejo-me plenamente neste orçamento e votei a favor, como deputado eleito integrante da bancada do meu partido, o Partido Socialista. Como presidente da Assembleia tenho o dever de manter total isenção, que cumpro escrupulosamente e, portanto, não me compete, nem seria correto, fazer comentários ou tecer considerações sobre as decisões dos vários partidos, que são responsáveis pelas suas posições e possuem toda a legitimidade para decidirem como melhor entenderem. A única coisa que me compete é incentivar os entendimentos que melhor sirvam os interesses do concelho e das suas gentes. Como democrata convicto, acredito que o sistema democrático tem sempre imensa capacidade para ultrapassar todas as dificuldades.

H | Considera haver condições para que o executivo apresente uma segunda proposta de orçamento? 
Em democracia existem sempre condições para se chegar a um acordo. A democracia é, em larga medida, a arte da negociação e eu sei que existe essa vontade e a total disponibilidade por parte do Sr. Presidente da Câmara e acredito que o mesmo se passa com as restantes forças políticas representadas na assembleia. Certamente que o bem comum e o superior interesse municipal e dos nossos concidadãos será colocado acima do interesse partidário e que uma solução conjunta surgirá.  Acredito que todos queremos o melhor para a nossa terra e o melhor é ter um orçamento aprovado.

H | O que sentiu quando soube que não seria reconduzido no cargo de presidente do Conselho de Administração da Florestgal? Acha que houve um ato de injustiça por parte do Governo do seu partido? 
Não colocaria a questão sob o prisma da justiça ou injustiça. O meu acordo com o senhor ministro Capoulas Santos e com o Governo foi o de aceitar presidir o conselho de administração da Florestgal em Julho de 2018, proceder à instalação da empresa em Figueiró dos Vinhos, definir o seu plano de negócios, os seus orçamentos e planos de atividades até ao final do mandato, em dezembro de 2020. Tudo isso foi concretizado e a empresa chegou a 2021 com as contas em ordem, um conjunto de projetos para instalar povoamentos florestais da ordem dos 2 milhões de árvores até 2024, alguns em execução no atual momento, e com capacidade financeira para isso. Portanto, todos os objetivos inicialmente definidos foram concretizados, apesar da pandemia que nos atingiu em Dezembro de 2019, e tudo isso fechou um ciclo.

H | A escolha de outra pessoa para o cargo foi então meramente política?
Como é evidente, o governo está no seu legítimo direito de escolher quem muito bem entender e alterar o objeto e o propósito inicialmente traçados para a empresa. Sinto uma grande honra por ter sido o primeiro presidente do conselho de administração da primeira empresa pública florestal criada no nosso país e cuja criação estava prevista desde os tempos do 4º plano de fomento, ainda antes do 25 de Abril, e que permanecia por concretizar. 

H | Sente-se de algum modo desiludido com a política? 
Não. A política não é um emprego, mas sim um serviço público que visa trabalhar para um bem maior, que são as preocupações e as necessidades dos nossos concidadãos e o bem da comunidade. Foi assim que aprendi com os meus pais e com todos aqueles com quem tive o privilégio de conviver na vida política, desde muito novo. O importante é estarmos sempre de consciência tranquila e com a sensação e a convicção do dever cumprido. E, sobretudo, saber que os nossos filhos, os amigos e os nossos concidadãos reconhecem que as nossas ausências e menor atenção foram sempre em favor do interesse da nossa comunidade. Felizmente que sou uma pessoa realizada, em paz comigo própria e com a vida. Tenho aprendido muito na vida política e continuo a aprender todos os dias.

H | Como foi voltar a entrar numa sala de aula, mais de 20 anos depois, para ensinar Geografia? 
Foi uma grande emoção e uma sensação extraordinária de reencontro com uma atividade na qual aprendi muito e à qual dediquei, até entrar na vida política a tempo inteiro, 14 anos da minha vida pessoal e profissional, com enorme prazer e intensidade. Apesar de as coisas serem hoje bastante diferentes, a relação humana com os alunos continua a ser fascinante e a Geografia é uma área cada vez mais relevante para a compreensão do mundo em que vivemos. Adoro ensinar e discutir com os mais jovens que tem uma especial apetência para os temas Geográficos. Infelizmente, por ponderosas razões de saúde, tive de interromper este regresso, com muita pena minha. Vamos ver se, e quando, poderei retomar o ensino com a maior brevidade possível. Infelizmente, isso não depende apenas da minha vontade. 

H | Foi Vereador, Deputado, Governador Civil, Secretário de Estado… Qual foi a reação da comunidade escolar por ter um professor com um percurso político como o seu?
Fui recebido de uma forma que só posso considerar excecional. Tanto pelos colegas do meu tempo, como pelos mais novos. Foi uma sensação extraordinária que não tenho palavras para descrever. Acho que foi como voltar a casa depois de muitos anos emigrado. Tem sido reconfortante e só tenho uma palavra para a minha escola, para os meus colegas, alunos, funcionários e encarregados de educação: muito obrigado!

H | Tendo em conta a sua caminhada política, alguma vez lhe passou pela cabeça regressar ao ensino? Vai continuar a leccionar?
Sempre tive a consciência que um dia haveria de voltar ao local de partida e à minha escola de sempre. Considero a educação como a mais nobre e relevante das missões. Portanto, foi com naturalidade e até algum entusiasmo que encarei este regresso. Sobre o futuro, apesar de ser agnóstico, só posso dizer como o povo: “o futuro, a deus pertence!”
Sobre o presente, gostaria de dizer que já conhecia as dificuldades e os espinhos da profissão de professor, contudo, este meu regresso permitiu-me voltar à realidade realidade concreta do sistema educativo e onde pude constatar que a profissão está cada vez mais dura e difícil, designadamente num tempo em que é cada vez mais relevante e decisiva para o futuro da nossa sociedade e que por isso mesmo necessita urgentemente de ser revalorizada nos planos material e social.
Creio mesmo todo o sistema de ensino corre o sério risco de poder colapsar se nada for feito nesse sentido e entretanto.
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